O lado Humano do jogo - Raul Oliveira


" É importante conhecer as melhores decisões matemáticas,

mas não se esqueça de analisar o lado humano do jogo"


Com o desenvolvimento de diversos softwares que analisam suas chances em uma determinada situação, foi iniciado um debate que parece estar longe do fim.

Jogar o que o software indica? Ou fazer o que o seu coração manda?

Eu, particularmente, sempre fui adepto de decisões que façam com que no longo prazo eu me torne um vencedor, mas mesmo assim sou pego várias vezes me perguntando se não deveria ter esperado uma situação melhor para decidir um determinado torneio. O que é claro, logo de cara, é que o computador não tilta, não paga conta e muito menos está preocupado com o seu bankroll. E ainda tem o mais importante:

o computador não tem as informações sobre o adversário que, no momento da sua jogada, lhe passam pela cabeça.

Desde que comecei a jogar, sempre me perguntei se seria possível um computador jogar melhor do que o homem. Até hoje não sei a resposta, mas tenho a certeza de que melhor que a média dos homens o computador joga. Logo, se a máquina joga melhor do que a média, será vencedora. Portanto, se você seguir seus parâmetros, se tornará um vencedor também. Para refletirmos sobre o assunto, vou contar duas entrevistas que vi e que se relacionam direto com ele.

A primeira é de Johnny Chan, perguntado sobre a estratégia a se seguir durante um torneio. Segundo Chan, não existe uma estratégia certa. Cada jogador deve jogar de acordo com sua expectativa em relação ao torneio. Você pode estar pensando agora:
“poxa, todo mundo quer ganhar o torneio, não?” Sim, mas ele falou de expectativa e não vontade. E o que ele quer dizer com isso é que suas jogadas devem ser definidas não só em função do que deve ser feito, mas sim em função do que deve ser feito para você alcançar seu objetivo. Pode parecer absurdo, mas garanto que dos 6.000 jogadores que participaram do Main Event da WSOP esse ano, uns 5.000 jogaram com a expectativa de apenas figurar ITM e, com isso, em diversas situações jogaram diferentemente do que a matemática indicaria, mas nem por isso jogaram errado.
Eu mesmo, durante o torneio de 25K do Bellagio, joguei fora um AK quando éramos 102 jogadores, sendo que o prêmio era para os 100 primeiros colocados. Na mão em questão, Chip Jett, um jogador famoso que não estava preocupado com a figuração, abriu um raise alto na posição de UTG. Eu, que estava no dealer, me deparei com um AK. Em qualquer outra situação do torneio, eu provavelmente teria voltado re-raise ou, no mínimo, teria pago para ver o flop. Mas, tendo em vista que o prêmio para o 100º era de 43K e, no momento, faria uma grande diferença para o meu bankroll, optei por dar fold e garantir a figuração. Ele ainda abriu suas cartas – um 88 que me deixou com a consciência tranqüila, tendo em vista a disposição de ir para embates que ele estava apresentando na mesa.

Claro que, matematicamente, meu fold foi um erro e não seria indicado por nenhum software. Mas, tendo em vista meu objetivo naquela hora, não condeno minha jogada. Afinal, do 51º ao 100º, o prêmio era o mesmo; então, passada a bolha, eu jogaria tranqüilamente o meu jogo. Além disso, ali na bolha estávamos falando em $0 ou $43.000, uma situação que o computador não considera, já que ele não paga contas no fim do mês.


A segunda entrevista foi do Phil Hellmuth, após sua eliminação de um grande torneio, entre os últimos 36 jogadores. Na jogada em questão, ele tinha QQ e foi batido por um JJ, num pote gigantesco em que Hellmuth abriu raise e um jogador voltou um all in monstro. Ele pagou e, no river, veio um J, eliminando-o. Quando perguntado sobre a jogada, com sua arrogância tradicional, não pestanejou:
“Joguei mal. Eu tinha certeza de que ele tinha JJ, mas não poderia ter dado 18% de chance de ele me tirar do torneio; afinal, a minha mesa estava muito fácil e eu dobraria minhas fichas sem precisar ir para nenhum all in.” Apesar de ser um comentário bastante arrogante, ele é muito interessante e sempre me fez pensar bastante no assunto. O que ele diz é que, em certas situações, mesmo que víssemos que o jogo do adversário era pior que o seu, o all in ainda seria mal jogado, já que sua chance de vitória em relação aos adversários no longo prazo seria bem maior que a chance de vitória nessa mão.


É claro que, matematicamente, o call seria a jogada certa nesse caso, mas o interessante é que nem sempre usar só a matemática será a jogada certa. Esses dois exemplos que usei penso que elucidam bem o conflito do Computador x Homem, já que nos dois casos as análises são 100% humanas e instigam o debate. Eu não tenho nada contra os softwares, pelo contrário, acho que são importantíssimos e invejo quem os domina. O que aconselho é que não torne sua mente
uma máquina e limite sua linha de raciocínio. Trabalhe sim, e muito, o lado matemático e lógico das jogadas, mas não esqueça nunca que todos ao seu lado, assim como você, são humanos.

Raul Oliveira